CURRÍCULO REFERÊNCIA PARA O SISTEMA e-Tec BRASIL - UMA CONSTRUÇÃO COLETIVA

 

1 PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS PARA CONSTRUÇÃO DA MATRIZ CURRICULAR DE REFERÊNCIA

 

O espírito do trabalho é a construção coletiva para a integração dos Cursos em seus Eixos Tecnológicos por uma Matriz Curricular de Referência. Tomam-se para orientar a organização e a análise os seguintes elementos da organização curricular dos projetos de cursos aprovados: o perfil profissional, as competências, as habilidades, as bases tecnológicas e as ementas.  Esta elaboração está ancorada em uma concepção de currículo que não se limita a uma grade curricular, mas à organização de todo o processo de implementação do curso: a concepção pedagógica, a população-alvo, a natureza da formação pretendida, a gestão das condições dadas e requeridas para o desenvolvimento do curso concernente com a modalidade de oferta, os processos de acompanhamento e avaliação. Este estudo elege e se limita a um elemento dessa complexidade – a organização curricular – aqui denominada de Matriz Curricular de Referência (MCR).

Quando se pensa currículo, vem à tela uma verdadeira ideografia dinâmica, uma concepção de mundo expressa em

[...] muitas coisas ao mesmo tempo: ideias pedagógicas, estruturação de conteúdos de uma forma particular, detalhamento dos mesmos, reflexo de aspirações educativas mais difíceis de moldar em termos concretos, estímulo de habilidades nos alunos, etc. Ao desenvolver uma prática concreta de modo coerente com quaisquer desses propósitos, o professor desempenha um papel decisivo. (SACRISTÁN, 1998, p. 173).

É com essa compreensão que se desenvolve o estudo; porém, para ser exequível dentre as contingências dadas e o complexo de definições, abordagens e propósitos, toma-se um elemento fundamental e, nele e por ele, propõe-se perquirir, analisar, compreender, propor, superar a mera formalidade na organização e no desenvolvimento dos cursos de Formação Profissional Técnica do Sistema e-Tec Brasil. Fazer isso e, ao mesmo tempo, respeitar o que está instituído, a autonomia das instituições e as inúmeras possibilidades de interpretação que envolvem uma construção coletiva traz consigo uma série de riscos, mas também a riqueza da descoberta e da incorporação do sentido do que fazemos. O fato transforma o fazer em um modo de ser. Em outras palavras, supera a dicotomia entre a mera racionalidade e a mera ideologização, e se avança na busca da compreensão da realidade em foco. O que se trata neste estudo está limitado à organização curricular, aqui ao que concerne à denominada Matriz Curricular de Referência.  As categorias definidas para a organização e análise da Matriz Curricular de Referência compreendem: competências, habilidades, bases tecnológicas que possibilitam uma análise das implicações entre si e, ao mesmo tempo, desencadeadas e limitadas a partir do perfil profissional que se deseja formar, definido pelo projeto dos cursos para, então, mapear os conteúdos que podem dar conta da formação desejada, expressos em forma de ementas. Ressalta-se que as estratégias pedagógicas que irão colocar esse mapa em movimento não estão explicitadas na matriz curricular, estão ali apenas anunciadas.

A abordagem pedagógica para a implementação desta proposta está aberta para que cada instituição possa implementá-la segundo seu contexto  filosófico. Indica-se, com esta metodologia, como organizar uma Matriz Curricular que resulte em termos de uma formação profissional técnica que se pretende coerente, viável, executável, pertinente aos desafios atuais do mundo do trabalho. Portanto, este documento não traz à tona toda a fundamentação teórica que o sustenta, mas explicita um dos modos de pensar, conceber e desenvolver uma proposta curricular que assegure o mínimo de congruência interna e a possibilidade do exercício de autonomia e flexibilidade que a situação requer. Entende-se aqui flexibilidade e complexidade como condições básicas do exercício da construção coletiva.

Portanto, por mais que se insista, este relatório não dá conta da expressão e do sentido do processo instituído e instituinte desta construção, mas de algumas notas e indicadores básicos a respeito, com o intuito de orientar e otimizar as práticas nessa área, principalmente aquelas da produção de materiais e formação dos agentes.

1.1 As categorias teórico-práticas eleitas para a elaboração da Matriz Curricular de Referência

A elaboração da Matriz Curricular de Referência, nesta etapa e no limite de trabalho, desenvolve-se a partir da construção do perfil profissiográfico, desdobrando-se nas competências atitudinais, cognitivas e operacionais (habilidades), com as bases tecnológicas, desembocando nas ementas das diferentes disciplinas de cada curso. Em uma leitura reversa, as ementas são instrumentos básicos que põem em operação o currículo e devem ser substanciais e concernentes para garantir as competências desejadas e a formação profissional indicada no perfil.

Consequentemente, a ênfase do trabalho foi a construção do perfil profissiográfico como ponto de partida e de chegada da formação profissional.

Ponto de partida, porque se faz necessário que fique bem claro, para todos os envolvidos no trabalho, que o objetivo último é a formação do profissional e, uma vez bem estabelecido o perfil, dele e nele, evidenciem-se as competências a serem desenvolvidas por meio das bases tecnológicas enquanto conhecimentos fundantes e necessários ao profissional, presentes no conjunto de ementas das disciplinas arroladas na sua formação.

Ponto de chegada, entendendo que, no momento da operacionalização do currículo, isto é, no processo de formação do profissional, as disciplinas e bases tecnológicas se constituem em meio para o desenvolvimento das competências que asseguram a formação profissional, e não um fim em si mesmas, evitando-se as pulverizações percebidas, geralmente, nas organizações conhecidas como grades curriculares.

Considerando esse pressuposto teórico, os professores coordenadores foram orientados a pensar a construção desta Matriz Curricular de Referência a partir do entendimento de que o perfil profissiográfico deve responder, basicamente, às perguntas: quem é o profissional a ser formado? Que características deve possuir? Qual sua performance como profissional e cidadão?

Ao responder essas questões, entende-se que esse profissional, além de apresentar um conjunto de atitudes e técnicas específicas que caracterizam sua atuação técnico-profissional, na sua respectiva área, deve também apresentar um conjunto de características gerais que o habilitem para o desempenho profissional e que se expressem em valores e princípios de ação como: saber relacionar-se, comunicar-se com o público, trabalhar em equipe, ler e interpretar informações técnicas, agir eticamente.

Em se tratando de um curso oferecido na modalidade a distância, o perfil do egresso considera, igualmente, o desenvolvimento de outras habilidades cognitivas, por exemplo, as experiências do mundo do trabalho, o estudo autônomo, a reflexão e o pensamento crítico.

Esse item – perfil técnico profissional – foi redigido em forma de assertivas descritivas de valores e princípios, desenhando a performance desejada do profissional.
No que diz respeito às competências, busca-se superar a visão estreita das abordagens que limitam o conceito de competência no âmbito exclusivo do fazer, de que competente é aquele que sabe fazer bem alguma coisa, dirigindo-a para o âmbito das dimensões do humano integrado (valores, cognição, ação),  que não tem ações fragmentadas nem procede destas.

Essa superação se faz necessária não apenas em função do atendimento ao enfoque dado pela LDB à Educação Profissional Técnica de Nível Médio, que se desvincula do mero ajustamento da formação profissional às demandas do mercado de trabalho, mas também pela configuração da produção no sentido atual do mundo do trabalho. Em relatório recente que aborda a discussão da Atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, assim se expressa o relator, em relação ao mundo do trabalho, o qual

[...] está a exigir profundas revisões programáticas voltadas para a fuga do obsoleto, de sorte a atender às exigências de profissionais mais polivalentes e capazes de interagir em situações novas e em ambientes de constante mutação. Está acabando essa estrutura rígida de ocupações em postos de trabalho claramente delimitados. As mudanças aceleradas em curso nos processos produtivos e de prestação de serviços profissionais, bem como na organização do trabalho, estão a exigir uma permanente atualização das qualificações, habilitações e especializações profissionais, a partir da identificação clara de perfis profissionais atualizados, que exigem novos itinerários formativos, geradores de alternativas de profissionalização, a partir de níveis cada vez mais elevados de escolarização e de qualificação para o trabalho. (CNE/CEB, 2010, p.4)

Para esse modo de trabalho, continua o relator,

impõe-se a superação do antigo enfoque da formação profissional centrada apenas na preparação para a execução de um determinado conjunto de tarefas, na maior parte das vezes, de maneira rotineira e burocrática. A Educação Profissional Técnica de Nível Médio requer, para além do domínio operacional de um determinado fazer, a compreensão global do processo produtivo, com a apreensão do saber tecnológico presente na prática profissional dos trabalhadores e a valorização da cultura do trabalho pela mobilização dos valores necessários à tomada de decisões profissionais. Nesta perspectiva, não basta apenas aprender a fazer. É preciso que o cidadão trabalhador saiba, também, que existem outras maneiras para aquele fazer e que, portanto, saiba, também, porque escolheu o seu fazer desta ou daquela maneira. Em suma, é preciso que a pessoa detenha a inteligência do trabalho que executa. Para tanto, é necessário que, ao aprender, tenha aprendido a aprender e, com isso, esteja habilitada a desempenhar, com competência e autonomia intelectual, suas funções e atribuições ocupacionais, desenvolvendo permanentemente suas aptidões para a vida produtiva. (CNE/CEB, 2010, p.12).

Nesse contexto de discussão encontram-se outras manifestações mais contundentes e polêmicas que tangenciam o conceito de competência como um mero fazer e/ou como uma dimensão humana. Quem acompanha a evolução histórica desse conceito dá-se conta que ele se estende há milênios e tem tido em cada tempo e espaço alçada a prioridade desta ou daquela concepção. 

Para este momento faz-se necessário compreender competência como a dimensão que move a ação humana na realização de um determinado propósito e perceber quais as possibilidades de desenvolvê-la da melhor maneira possível, em se tratando de um processo de formação profissional de nível técnico. Torna-se igualmente importante saber quais valores e saberes são suficientes para o sujeito ser capaz de mobilizar conhecimentos, habilidades e atitudes para atuar numa determinada situação e atingir o desempenho esperado e necessário para a resolução de determinado problema. Isto é, ter a capacidade de flexibilizar e adequar os conhecimentos informacionais, habilidades e atitudes à realidade circunstanciada a partir de determinados valores éticos. Ou, conforme enuncia Perrenoud (2000, p. 19), “ competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações, etc.), para solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações”.  Portanto, a competência implica ação, que não é, necessariamente, ação prática (manual), mas que pode e é, também, uma ação-reflexiva (ação cognitiva). Assim, a competência é o conhecimento em movimento, em ação, quando da resolução de problemas.

Para Rivilla (2010, p. 18),

as competências básicas são os resultados formativos que os estudantes devem alcançar para poder se realizar e, como seres humanos, participar ativamente da sociedade, serem capazes de aprende ao longo da vida e estar preparados par os desafios da sociedade do conhecimento e para as demandas das futuras ocupações e profissões. A competência básica demanda a integração de saberes essenciais que constituem o núcleo da competência, as formas de agir mediante as quais se aplica o conhecimento e se resolvem os problemas existenciais e profissionais, os valores e as atitudes mais relevantes para conquista da harmonia entre o pensamento e a ação e adquirir um estilo de vida saudável e emocionalmente equilibrada no mundo do trabalho. Os componentes das competências básica devem servir à pessoa para se envolver e se comprometer com as necessidades da realidades diversa dos grupos, das culturas e dos diferentes cenários no âmbito da sociedade do conhecimento da globalização e de um processo de interculturalidade.

Na escola, o sujeito não executa propriamente a competência profissional, ele constrói um habitus, pode apreender um conjunto de valores, conteúdos e estratégias para se tornar competente diante dos desafios de uma determinada situação existencial, ou de uma determinada área de atuação no mundo do trabalho.  Isso envolve questões cognitivas, valorativas, afetivas, operacionais, que podem ser alimentadas nas situações de aprendizagens com perspectivas de serem mobilizadas.

As competências elencadas na Matriz Curricular decorrem do perfil profissional estabelecido no projeto pedagógico do curso. Neste estudo elas foram didaticamente assim definidas em três dimensões: atitudinal, cognitiva e procedimental-operacionais ou habilidades.

Competência atitudinal (comportamental)

É do âmbito do SER. Diz respeito à atitude do sujeito diante da realidade vivenciada. Esta competência implica valores e atitudes, verificáveis pela sua aceitação e internalização no momento das escolhas realizadas. A elaboração destas competências comportamentais atitudinais responde às seguintes questões: o  encaminhamento é ético? Leva em conta o impacto socioeconômico-ambiental que o resultado da ação poderá causar? As atitudes do profissional revelam solidariedade, valorização, cooperação, comprometimento com um processo de sustentabilidade? Por quais soluções opta para a resolução de um determinado problema? Estas competências nem sempre se expressam em um rol de conteúdos, mas no modo como são conduzidos os processos de ensino-aprendizagem oferecidos ao estudante. Lê-se transversalmente em uma Matriz Curricular.

Competência cognitiva

É do âmbito do SABER, do PENSAR. Diz respeito à capacidade de o sujeito interpretar, rearticular, reelaborar, associar, relacionar e/ou aplicar conhecimentos específicos, seja um determinado conhecimento técnico e/ou cultural, a uma dada realidade, no sentido de equacioná-la satisfatoriamente. Responde às seguintes questões: que conhecimentos fundamentais deve o cidadão dominar? Que princípios e/ou conceitos deve possuir para que seja possível exercer a profissão de forma eficaz e eficiente? Que condições o sujeito precisa ter para operar com estes conhecimentos?

Competências procedimental-operacionais (habilidades)

Nas referências curriculares, são aqui entendidas como habilidades. Estas são do âmbito do “fazer”. É a capacidade de o sujeito interagir com seu objeto profissional e em seu contexto. Diz respeito à habilidade, à destreza e ao método, ao manuseio dos instrumentos necessários a um determinado fazer. Implica também aplicação de regras, técnicas, métodos, destreza, habilidade, estratégia, que são verificáveis nas atividades práticas, na ação objetivada.

Essas competências estão assim apresentadas (separadas) meramente por uma questão didática, pois na dimensão da objetividade humana, o princípio da ação as objetiva em um mesmo ato. Ou seja, em um movimento implicativo dinâmico e singular:

[…] para el enfoque de la formación basada em la competência el objetivo de los programas formativos no es, adquirir competências profesionales (lo cual implica, por supuesto, adquirir conocimientos sobre hechos y conceptos; pero tambíén adquirir conocimientos o saberes sobre procedimientos y actitudes). [...] Porque, em realidad, saber hacer (esto es, desempeñar acciones competentes) requiere saber (esto es, disponer de información y datos, asi como de conceptos y teorias que los doten de significado) y saber ser/estar (esto ES, disponer de lãs actitudes, valores y/o normas que requiere dicho desempeño). (FERNÁNDEZ, (2006, p.11).

O saber-fazer implica e decorre, portanto, do saber o que, do saber por que, de um saber para que e do saber ser. Em uma revisão sistêmica rápida, encontram-se diversas concepções de competência, cada uma com um enfoque diferenciado, umas mais cientificamente fundadas, outras mais ideologicamente defendidas, mas o que reúne a maioria dos autores é um esforço comum em ressaltar que competência é um modo de ação humana para o qual convergem as dimensões de valores, conhecimento e atitudes mobilizadas em resolver um determinado problema, em desempenhar uma ação eficaz, eficiente e relevante.  (BRANDÃO; CALLEGARI, 2010; GUIMARÃES, 2001; DESAULNIERS, 2010; DURAND, 1990; KUENZER; GRABOWSKI, 2006; COELHO; FUERTH, 2009; MACHADO, 2003; PERRENOUD, 2010; RIVILLA, 2010; SCHWARTZMAN, 2005; STOOBANTS, 1991).

Bases tecnológicas

Indicam claramente o campo de conhecimento do qual emanam os valores, os comportamentos e os conteúdos que o sujeito precisa elaborar,  entender e aplicar em suas ações. Compreendem as bases conceituais, os saberes, as informações, os recursos técnicos, os procedimentos, as normas específicas da área de atuação.

Ementas

As ementas indicam, em itens substanciais e em subitens, os conteúdos que compreendem a disciplina. O elenco das ementas deve atender, distributivamente, ao perfil, às competências, às habilidades e às bases tecnológicas previstas na organização da matriz curricular. Devem ser coerentes em tempo, em extensão e em profundidade em relação aos conteúdos propostos. As ementas que substanciam as disciplinas ofertadas e desenvolvidas nos planos de ensino precisam ser  organizadas e distribuídas ao longo do curso de modo orgânico, no sentido horizontal, vertical e transversal,  observando os fatores de interdisciplinaridade e suas devidas conexões.

As ementas podem estar distribuídas ao longo do curso conforme a sua organização didática. Se a oferta é periódica e sequencial, com uma única terminalidade, as ementas são apresentadas em uma sequência de ordem de aprofundamento e ampliação dos conhecimentos: dos introdutórios para os gerais, e destes para os específicos.  Se a oferta tem caráter modular, então as ementas estarão agrupadas em um conjunto de saberes convergentes que dão conta da formação profissional em uma atividade específica, com caráter de terminalidade e certificações parciais.

Neste relatório apresentam-se as ementas necessárias ao desenvolvimento do perfil proposto. A ordenação, em modo de oferta e evolução de profundidade, fica a cargo da organização dada pelo projeto pedagógico do curso.  Ou, seja a mediação  para efetivar a oferta  define-se pela modalidade de ensino e pela abordagem pedagógica eleita pelo corpo social envolvido no curso.

A elaboração dos pressupostos teórico-metodológicos apoiam-se em documentos oficias do Sistema e-Tec e da SETEC, em publicações que abrangem o período de 1999 a 2010, em um projeto de pesquisa realizado anteriormente a este, explicitado no registro histórico deste documento.

Não se pretende esgotar aqui estes postulados, e sim remeter a leituras e estudos necessários à implementação desta proposta em caráter nacional, pois se observa, ao longo das discussões, que  mesmo sendo este um tema muito citado, é bem pouco entendido em sua essência e aplicação. Para trabalhar com o conceito de competência, faz-se necessário abstrair-se de jargões e tendências e buscar a construção conceitual histórica que vai se constituindo ao longo da própria transformação da existência humana no mundo do trabalho.

 

Grupo de Pesquisa PCEADIs